sexta-feira, 20 de julho de 2012

O bem-estar das galinhas

Artigo de opinião do Prof. Moisés Espírito Santo


A nossa resposta

Bem Estar Galinhas JL 19jul2012



O texto completo

Não poderíamos deixar de responder ao artigo de opinião do Prof. Moisés Espírito Santo, na edição da semana passada do Jornal de Leiria. O autor do artigo “O bem-estar das galinhas” parece não conhecer bem o assunto acerca do qual resolveu escrever. Vamos fornecer-lhe alguns factos para que o Professor e os leitores possam ficar esclarecidos acerca do mesmo. Em primeiro lugar, classificar os direitos dos animais de “(…) derivado do sub-produto ideológico, caseiro, do século XX (…)” é um erro grave, já que histórica e culturalmente, este movimento tem acompanhado a humanidade pelo menos desde a Antiguidade Clássica. Já Triptolemus, o mais antigo legislador de Atenas, em 485 a.C. escreveu sobre a Abstinência de Comida Animal.

Gostaríamos de informá-lo de algumas características peculiares das galinhas, que talvez não sejam do seu conhecimento. A Dra. Lesley Rogers, etóloga jubilada da Universidade de Nova Inglaterra (Austrália), após anos de investigação no Centro de Neurociência e Comportamento Animal, chegou à conclusão que as aves têm capacidades cognitivas equivalentes às dos mamíferos, até dos primatas. As galinhas são animais inteligentes, que chegam a superar cães e gatos em muitos testes de cognição avançada. Num estudo do Silsoe Research Institute em Inglaterra, os investigadores mostraram que as galinhas têm a capacidade de fazer uma escolha consciente para adiar a gratificação, ou seja, as galinhas descobriram que se recusassem a comida, mais tarde receberiam mais comida. A revista Discovery explicou a importância deste estudo desta forma: “As galinhas não vivem apenas no presente mas podem antecipar o futuro e demonstrar auto-controlo… algo anteriormente atribuído apenas aos humanos e outros primatas…”. Estas aves, que são os parentes vivos mais próximos do dinossauro T-Rex, tal como os humanos e outros primatas formam comunidades bem organizadas, são criaturas socialmente inteligentes e aprendem umas com as outras de forma sofisticada, conforme descobriram os cientistas da Universidade Macquarie (Austrália), que ganharam o Australian Museum Eureka Prize por esta descoberta. As descobertas da pesquisa do Dr. K-lynn Smith e do Professor Chris Evans, apelidadas de revolucionárias, levou a que já tenham sido introduzidas no currículo do ensino secundário no Reino Unido. Também o New York Times reporta que as galinhas têm a capacidade de entender que um objecto, quando retirado e escondido, continua a existir, de acordo com a investigação do Dr. Giorgio Vallortigara e da Dra. Lucia Regolin, algo que até aqui se pensava apenas atribuível aos humanos. Outro estudo, da Universidade de Bristol, parece apontar que as galinhas caseiras são capazes de sentir empatia, a capacidade de sentir a dor dos outros, pelo menos para com os seus pintos. Sob condições comerciais, as galinhas regularmente encontram outras aves mostrando sinais de dor e sofrimento “devido a práticas de criação de rotina ou devido a alta prevalência de condições, tais como fraturas ósseas ou distúrbios das pernas”, dizem os investigadores.

De referir que durante 12 anos esta directiva comunitária esteve na gaveta à espera que os estados membros tomassem as devidas providências de adaptação. E 12 anos depois, a maioria corre atrás do prejuízo pois deixou andar até à última. Relativamente ao bem-estar das galinhas esta directiva pouco muda. A intenção é boa, no entanto o espaço a que as galinhas têm direito agora é o de uma folha de papel A4. Já não estão imobilizadas, é certo, mas em termos de bem estar animal, a melhoria foi de uns cm2. As aves continuam a não ter o espaço vital ao seu bem-estar numa coisa tão mínima como é estender as asas.

O Professor talvez não saiba também que as galinhas são, indiscutivelmente, o animal mais consumido no planeta. Nos Estados Unidos, mais de 7 biliões de frangos são mortos pela sua carne em cada ano e 452 milhões de galinhas são usadas por causa dos seus ovos. Noventa e nove por cento destes animais passam as suas vidas em total confinamento — desde o momento em que eclodem do ovo até ao dia em que são mortos. São criadas e mortas mais galinhas para comida do que todos os outros animais terrestres combinados. Os frangos passam as suas vidas inteiras em barracões imundos com dezenas de milhares de outras aves, onde a intensa aglomeração e confinamento levam a surtos de doença. Eles são criados e drogados para crescer tanto e tão depressa que as suas patas e órgãos não conseguem manter-se, provocando ataques cardíacos, falência de órgãos e tornando as deformações das patas algo comum. Muitos frangos não aguentam o seu próprio peso, ficam aleijados e acabam por morrer porque não conseguem alcançar os bebedouros. Quando têm apenas 6 ou 7 semanas de idade, são amontoados em gaiolas e transportados para o abate. Centenas de milhões ficam com asas e pernas quebradas devido ao rude manuseio e milhões morrem do stress da viagem.

No matadouro, quando retiram as galinhas das caixas atam-lhes as patas com um fio e penduram-nas nuns ganchos móveis, que as levam de cabeça para baixo até um tanque com água que está electrizada. A cabeça entra na água e com a voltagem adequada, elas ficam dessensibilizadas e a seguir passam para a zona onde tem as lâminas que lhes cortam a garganta. Apesar deste processo tentar assegurar que elas não sentem nada, muitas vezes a voltagem não é a adequada para assegurar o tempo suficiente de inconsciência até que se dê a anoxia e a morte. Sem isso, os animais recuperam os sentidos e sentem todo o processo. Isto é, a regulamentação prevê e tenta assegurar o mínimo sofrimento dos animais, mas daí até à prática, vão falhando em termos de fiscalização e formação dos que trabalham nesse sector.

As aves exploradas pelos seus ovos, chamadas "poedeiras" pela indústria, são amontoadas juntas em gaiolas de arame, onde não têm espaço suficiente para abrir as suas asas. Porque as galinhas são amontoadas tão juntas, estas são forçadas a urinar e defecar noutras aves. Têm parte dos seus bicos sensíveis cortados para que não se biquem mutuamente devido à frustração criada pelo confinamento não natural. Após os seus corpos estarem esgotados e sua produção cair são enviadas para abate, geralmente para serem transformadas em sopa de galinha ou comida de gato ou cachorro, porque a sua carne sofreu muitas agressões para ser usada para algo mais.

Porque os pintos machos de poedeiras criadoras são incapazes de colocar ovos e não são criados para produzir carne excessiva para a indústria da carne, eles são mortos. Todos os anos, mais de 100 milhões destas aves jovens são moídas vivas ou atiradas para sacos onde ficam a sufocar.

E porque no mundo de hoje tudo está interligado, um estudo de 2006 que envolveu 135.000 pessoas descobriu que aqueles que comem frequentemente frango grelhado sem pele tinham um risco 52% maior de sofrer de cancro da bexiga do que pessoas que nunca comeram. A quantidade de amónio (gás incolor e irritante gerado a partir da decomposição microbiana dos dejectos) existente nos aviários, a quantidade de hormonas de crescimento e de medicamentos que estes animais são obrigados a consumir durante o seu pouco tempo de vida, além das condições stressantes de transporte e abate, são fatores que contribuem para que a carne destas aves, consumida pelos humanos e por outros animais, esteja contaminada e provoque doenças.

O Sr. professor recorreu insistente e falaciosamente ao apelo ao ridículo, chamando, por exemplo de “regalias” às condições mínimas de vida que devem ser dadas a estes seres sencientes. Os animais têm necessidades básicas inerentes à sua natureza, as quais são evidentemente inibidas quando eles são criados em espaços artificiais, sujos e sobrelotados. É portanto fundamental não se confundir necessidades naturais com “luxos”. De resto, quando conseguir deixar de ver os animais como objectos e quando conseguir deixar de focar a sua atenção unicamente nos lucros das pessoas que os exploram, talvez consiga compreender realmente esta questão.